quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Rodrigo Hilbert, um comediante, eu, minha mãe e a Teoria do Sucesso Reverso

Curvem-se perante a mim, ó mortais!
Por Jotha Santos
Este deveria ser o momento em que eu iria escrever algo sobre a repercussão da última postagem, “As dez melhores atrizes da atualidade”. Pra manter o padrão, sabe? Mas não vai rolar porque não teve repercussão nenhuma. Nenhum comentário, meia dúzia de visualizações (sendo quatro minhas) e só. O que é bom porque, se é pra manter padrões, esta humilde coluna continua com o seu: Ninguém se interessa, ninguém lê e ninguém comenta. Após uns três anos de inatividade, continuo indo muito bem, só que ao contrário. É o que eu chamo de “A Teoria do Sucesso Reverso”.

Não é lá uma grande teoria que daria orgulho ao Neil deGrasse Tyson, até por que ele se deu bem na vida falando de coisas que ninguém entende, mas finge que entende. É mais uma maneira de observar de forma positiva aquilo que não parece ser tão bom num primeiro momento. Tipo quando a gente apanhava da mãe - com aquele chinelão de couro do pai comprado em Aparecida - por ter pulado o muro da escola. Na hora é ruim, fora a humilhação, mas pelo menos você aprende que matar aula pode ser prejudicial à saúde.

Claro que a TSR – sigla para Teoria do Sucesso Reverso – do latim, “fracassus retumbantis”, não vale pra todo mundo, pois tudo é relativo, já dizia o velho Einstein. Veja o Rodrigo Hilbert, por exemplo. Ele não sabe o que é isso na vida. O cara é simplesmente perfeito. Perfeito ao ponto de dar raiva em TODOS OS HOMENS DO PLANETA. Como é possível? O cara não só é galã de novelas como é sarado, alto, loiro, com a cútis perfeita e um bronzeado de fazer inveja até ao Donald Trump, o verdadeiro agente laranja. Ele ainda por cima cozinha (isso é sacanagem). E pra piorar a nossa situação, ele não só cozinha como CAÇA A SUA PRÓPRIA COMIDA! E mais: Ele ainda tem um programa de televisão pra mostrar os pratos espetaculares que faz. Quando não caça, faz compras no Pão de Açúcar, o suprassumo dos mercados. 

E você que está aí pensando que o rapaz caça coelhinhos fofos, galinhas de angola, codornas e patinhos na lagoa, não. NÃO! O cara caça é Javali. Jacaré. Avestruz. Até posso ver os filhinhos dele (que são igualmente perfeitos e ainda por cima gêmeos) falando:

- Papai, papai! Estamos com fome.

-Crianças! Tomem aqui uma coxa de rinoceronte!

É demais para qualquer um. Como se tudo isso não fosse o bastante para humilhar a nós, homens normais que se apegam à TSR para ter alguma esperança na vida, o cara ainda é casado com a FERNANDA LIMA. É como se Deus o tivesse escolhido para receber tudo o que há de melhor na vida terrena. O problema é que não sobra muita coisa pra gente. Tudo o que a gente faz não presta. Nem se compara. São pessoas como o Rodrigo Hilbert que revelam alguns pontos fracos da Teoria do Sucesso Reverso, como a capacidade de tornar seu alento inútil diante de tamanha grandeza. Na verdade, só ele mesmo. Porque como ele, na há. O cara era, é e há de ser!

Só que existe um meio-termo nisso tudo. Nem sempre você está na parte de baixo da tabela. No fim da fila, na base da pirâmide, no início da cadeia alimentar (só pra usar todos os clichês possíveis). Outro dia assisti a um stand up com um comediante que falava justamente sobre como os caras bem-sucedidos humilhavam os mortais como ele. Claro que entre os nomes citados estava o de Rodrigo Hilbert, o mestre em fazer os demais se sentirem humilhados. E foi aí que eu pensei:

-Mas este “standapeiro” aí não é aquele que aparece na TV? Sim. É ele mesmo!

Daí eu fiquei imaginando que se pra ele, ser comparado ao Rodrigo Hilbert é ruim, imagine pra mim. O cara tem programa na televisão, faz comercial de tudo quanto é produto bom, faz dezenas de shows por semana, sempre com casa lotada, é uma figura reconhecida por todos, suas redes sociais vivem lotadas de comentários, curtidas e etc. Sua carreira já está consolidada e ele provavelmente já está rico a ponto de não se preocupar mais com o INSS.

Assim, eu olhei pra mim...

Ninguém me conhece. Nunca apareci na televisão. Eu não tenho talento nem pra fazer comercial de Tubaína no verão. Meu blog já tem dez anos de existência e até agora só tem dois seguidores, eu e minha esposa, que por sinal, só passou a segui-lo ontem porque eu mandei (lê-se, pedi de maneira respeitosa). Até agora, tudo o que eu fiz não deu em nada. Não que eu tenha feito muita coisa útil, mas eu até que tentei. Outro dia, um amigo de muitos anos me lembrou que eu sou a única pessoa do mundo que ele conhece que conseguiu perder um emprego público, com concurso e tudo, e ainda por cima durante o governo Lula. É, é verdade. Eu não sei fazer nem pipoca de microondas direito, quanto mais caçar o alimento e ainda prepará-lo para uma família feliz ao redor da mesa durante um programa de televisão que, claro, é gravado na própria fazenda do homem mais incrível da história (lê-se Rodrigo Hilbert). Eu faço compras no Dia e no Mercadinho da Vila, cuja dona eu descobri hoje que é minha vizinha. Não tive nenhum desconto por isso.

Dia desses eu fui tentar consertar o sensor de presença da academia de uma amiga. Não só quebrei o aparelho como arranquei o reboco da parede. Me lembro que quando eu era pequeno, fui cheirar um perfume daqueles da vovó (lê-se Avon), só que eu esqueci que eu estava deitado. O liquido entrou tão fundo no nariz que até hoje eu sei como é o cheiro, tipo essência de velha. Nos meus empregos ordinários, eu sempre ouvi:

- Você é bom.

- Legal!

- Mas tome aqui sua demissão! 

- O quê?

A torneira da cozinha está péssima. Imaginem as reclamações. Só que eu não arrumo porque eu sou muito grande e não consigo entrar embaixo da pia para executar o serviço. Ou seja, nem a minha fisiologia ajuda. Aliás, outro dia eu fiz um teste daqueles de bioimpedância e o aparelho disse que eu já tinha uma idade biológica de 76 anos. Foi aí que eu concluí que sou mais velho que meu pai e já posso dar entrada na aposentadoria. 

Eu sou daqueles que chupa todas as balas do baleiro que foram compradas pras visitas. Daqueles que, a cada quatro copos que lava, um se quebra. Daqueles que a impressora trava bem na hora e ainda deixa uma mancha de tinta na folha A4 novinha que é pra você não reaproveitar. Daqueles que aguardam ansiosamente a hora do almoço pra comer um marmitex de treze reais comprado no "buteco" ao lado do trabalho. Trabalho cuja chefe, por sinal, é minha esposa. Sou daqueles que quando solta um pum, não adianta: Ele sempre virá com um pouquinho de peróxido de hidrogênio e seu cheiro característico. O INSS é a única esperança de estabilidade financeira. Tomara que dê para pagar o marmitex porque eu não sei caçar javali.

Na vida, temos pessoas no topo. Comediantes bem sucedidos, mas que não são lá nenhum Rodrigo Hilbert e por isso se acham inferiores, e temos caras como eu, que estão abaixo de tudo. Até dos comediantes. Concluo, portanto, que Einstein tinha mesmo razão ao dizer que tudo é relativo. Passei a entender que, das coisas mais cotidianas a um show de stund up, ou mesmo caçando crocodilos para comer, tudo já foi teorizado, sintetizado e explicado pelas sábias meninas do "Bom, xibom, bombom, bombom". O motivo, todo mundo já conhece: É que o de cima sobe e o debaixo desce."   

Há algum tempo, minha mãe falou que ainda não estava tranqüila para partir, pois eu ainda não havia “dado certo na vida” (estas não foram as palavras dela, claro, pois nenhuma mãe faz isso com o filho, mas foi o que ela quis dizer). Foi aí que para mim, a TSR fez todo sentido e tornou-se ainda mais mágica e poderosa. Eu não sou nenhum Rodrigo Hilbert (impossível) e nem um comediante com programa de televisão, ok. Mas se eu continuar assim, um cara ordinário, com meia dúzia de leitores no blog, com uma torneira quebrada em casa e comendo marmitex de treze reais todos os dias, isso significa que MINHA MÃE VAI DURAR PARA SEMPRE. Tipo o Mumm-Rá, só que bonita, legal e bondosa. E isso é bom. Mais até do que bom. É ótimo. É a Teoria do Sucesso Reverso em sua plena magnitude. Chupa essa, Rodrigo Hilbert! 

Agora chegou a hora do almoço. Vou indo lá no "buteco". 

terça-feira, 22 de agosto de 2017

As dez melhores atrizes da atualidade

Por Jotha Santos
Após a lista dos “cuecas” mais incríveis de Hollywood, fiquei devendo a lista das garotas, que por sinal, é bem mais prazerosa de se elaborar. Foram muitos os pedidos (um só mesmo), então aí vai, mas antes, algumas considerações.

Esta lista pode causar muita polêmica por alguns motivos:

1°. Só contempla atrizes de Hollywood.
2°. Apenas mulheres (por isso a lista se chama “As dez melhores atrizes...”).
3°. Inclui, em sua maioria, atrizes jovens.
4°. Considera predominantemente a relevância de seus trabalhos e a frequência nas telonas.
5°. Não é baseada no cachê das participantes.
6°. Valoriza o talento.
7°. Exclui os clichês.
8°. Nela você não encontrará nomes como Meryl Streep (mito), Julianne Moore, Susan Sarandon, Michelle Pfeiffer, Helen Mirren, Judi Dench, Emma Thompson, Fernanda Montenegro, Catherine Deneuve, Bette Midler, Glen Close e tantas outras desta e de outras gerações, pois estas já figuram em outro panteão.
9°. Jodie Foster, Natalie Portman, Kate Winslet, Angelina Jolie, Nicole Kidman, Naomi Watts, Laura Linney, Rachel Weizz, Marion Cotillard, Helen Hunt, Carey Mulligan, Winona Rider, Julia Roberts e Sandra Bullock já fazem parte da cultura pop. Não precisam mais “competir” pelo amor dos fãs e nem figurar numa lista tão restrita.
10°. Brittany Murphy não está nela porque já morreu.

A revista Time a nomeou como uma das 100 pessoas mais influentes em todo mundo. Já tem duas estatuetas do Oscar em casa, além de três Globos de Ouro e inúmeros outros prêmios, mesmo em meio às críticas de alguns membros do (importante) Partido Comunista Russo após o seu trabalho em "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" (eita filminho ruim). A chamaram de “atriz de segunda categoria”. Sabe o que isso significa? Absolutamente nada!

Destaque para as atuações em:
Elizabeth
Blue Jasmine
The Aviator

Um talento indiscutível. É um prazer vê-la atuando. Já colecionava vários prêmios no teatro e na TV quando, em 2017, recebeu o Oscar da academia por sua atuação em "Fences" (melhor atriz coadjuvante). Durante a premiação, fez um discurso memorável.

Destaque para as atuações em:
Doubt
Fences
How to Get Away With Murder (série)



Charlize Theron
Considerada uma das mulheres mais bonitas do planeta (e é), a atriz sul-africana ganhou destaque após seu papel em "Poderoso Joe". Em 2004, levou o Oscar de Melhor Atriz no filme "Monster", quando interpretou a serial-killer-mais-feia-e-desprezível-do-mundo, Aileen Wuornos.

Destaque para as atuações em:
Monster
Terra Fria
Mad Max: Fury Road




Jessica Chastain
Já desfila no tapete vermelho de Hollywood como parte da realeza. Bela, elegante e muito competente, entrega sempre o melhor em seus papéis. Foi indicada ao Oscar pelo trabalho em “The Help” e, já no ano seguinte (2013), recebeu nova indicação em "Zero Dark Thirty".

Destaque para as atuações em:
A Most Violent Year
The Help 
Zero Dark Thirty




Deixou para trás a reputação de fazer apenas papéis bobinhos, “alegres” e “ensolarados”. Muito versátil, recentemente surpreendeu a todos por sua atuação em “Arrival”, de Denis Villeneuve, uma excelente ficção científica por sinal. A nova Lois Lane do universo estendido DC ainda tem uma “super” carreira pela frente (Tá, essa foi ruim).

Destaque para as atuações em:
Doubt
The Fighter
Arrival




Uma atriz que nós gostamos de ver nos filmes. Ela tem o talento para transformar em especial cada momento em que surge na tela. Forte e marcante, ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel em “The Help” (2012). Em 2017, quase levou de novo pelo desempenho no maravilhoso “Hidden Figures”. Ah, essa Viola...

Destaque para as atuações em:
The Help
Hidden Figures
A Time to Kill


Jennifer Lawrence
Confesso que relutei bastante em colocar a bela nessa lista. Ela ainda não me convenceu, apesar do inquestionável talento. E como me convencer também não é importante, vamos mantê-la aí. Apesar da pouca idade, já faturou o Oscar de Melhor Atriz em “Silver Linings Playbook” (O Lado Bom da Vida - 2013), filme que eu não gostei muito. Achei bem comum até, mas os especialistas disseram que é ótimo. Vamos acompanhar (como se isso fosse mudar alguma coisa).

Destaque para as atuações em:
Winter´s Bones
Silver Linings Playbook
Joy
The Hunger Games



Michelle Williams
Já teve quatro indicações ao Oscar, mas ainda não levou nenhum. Acho que é só questão de tempo (lembram do Leo?). Seu papel em “Manchester by the Sea” foi ótimo, mas muito curtinho. Ia ser muita sacanagem dos tiozinhos da Academia se dessem pra ela com a Viola (ela de novo) na parada. Foi casada com o Coringa, quer dizer, com o Heath Ledger, com quem teve uma filha.

Destaque para as atuações em:
Brokeback Mountain
Blue Valentine
Manchester by the Sea


Hilary Swank
“Karatê Kid 4” não conta, tudo bem? Já em 1997, destacou-se como uma “mãe solteira” (?) em “Beverly Hills, 90210”, nosso eterno “Barrados no Baile”. Foi dispensada pouco tempo depois, mas aí, entrou para o elenco de “Boys Don´t Cry” e faturou o Oscar de Melhor Atriz, entre outros prêmios. Não contente, levou mais uma estatueta em 2005 por “Million Dollar Baby”, do lendário Clint Eastwood. Quem é a boa agora, hein, velho Aaron Spelling? Que Deus o tenha.

Destaque para as atuações em:
Conviction 
Boys Don´t Cry
Million Dollar Baby


Anne Hathaway
Mais uma confissão a fazer. Ela não ia entrar na lista. Eu estava pensando na Scarlett Johansson quando uma voz veio e me falou: - Não deixe a atriz mais querida da “América” de fora! Seus filmes quase sempre rendem boas bilheterias e são elogiados pela crítica. Em “Les Misérables” (2013), conquistou o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Eu não assiti, mas os filhos do Silvio Santos, com certeza.

Destaque para as atuações em:
The Devil Wears Prada
Love and Other Drugs
Les Misérables

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Congo esquecido

Centenas são mortos todos os dias a golpes de facões, flechas, paus e pedras!
Por Jotha Santos
Estava olhando a data da minha última postagem aqui no conceituado (não é pra rir) “Coluna Livre” e até eu me espantei: 08 de julho de 2014! Isso é o que eu chamo de preguiça de escrever, nível profissional. Tenho certeza de que os inúmeros leitores espalhados pelo mundo (isso aqui é nível mundial) estão felizes com a minha ressurreição. Prometo não abandoná-los mais por tanto tempo, mãe, pai, irmão e mais dois amigos... ...ôpa! Espera aí! Nem meu pai me lê...

Hoje eu estava navegando pelos principais portais de notícias do Brasil e do mundo e, claro, as principais manchetes eram sobre o atentado em Barcelona. Um maluco qualquer pegou uma van e saiu atropelando um monte de gente que estava em um tradicional “calçadão” da cidade. Quatorze mortes e dezenas de feridos. Mas não é sobre o atentado em si que eu quero refletir. Nem sobre Barcelona e muito menos sobre a Espanha. Até porque a imprensa mundial (mais séria e importante do que eu) já o fez e continuará fazendo por dias e dias.

Eu quero mesmo é falar sobre o Congo. Mais precisamente sobre a República Democrática do Congo. E sabe por que? Por que ninguém o faz. Aquele enorme país africano padece. Guerras civis intermináveis, fome, miséria, cólera, catástrofes naturais e não naturais, enfim, a lista de tribulações no Congo é tão dantesca que o próprio Dante (o Alighieri) colocaria outro adjetivo muito pior. 

Um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) revela que, apenas entre março e junho deste ano (sim, de 2017), mais de 250 pessoas, entre as quais, 62 crianças foram vítimas de execuções selvagens no Kasai, centro da República Democrática do Congo. Entre as 62 crianças executadas por agentes do Estado, milícias ou rebeldes, 30 delas tinham menos de oito anos de idade. Seis milhões de pessoas já morreram nas violentas guerras que surgiram nos últimos anos naquele país. Isso mesmo. Você não leu errado. São seis milhões de pessoas até o momento e este número só aumenta. 

Outras sete milhões de pessoas passam fome por escassez de alimentos neste exato momento. Enquanto eu escrevo, enquanto você lê, enquanto a imprensa inunda as páginas dos jornais, sites informativos e o escambau com a notícia de mais um atentado na Europa. Segundo alerta da ONU, o número de pessoas que enfrentam a fome aguda no Congo subiu 30% em relação ao ano de 2016. Ainda segundo relatório das Nações Unidas, pelo menos 43% das crianças congolesas menores de cinco anos enfrentam um estado de desnutrição crônica. 

Uma epidemia de cólera na parte oriental do país, que eclodiu no início do mês passado, já deixou 117 mortos. De acordo com relatório dos Médicos Sem Fronteiras, fatores como a falta de higiene e água potável agravam o surto.

Só nesta quinta-feira (17), a mesma quinta-feira do maluco da van em Barcelona, pelo menos 40 pessoas morreram em um deslizamento de terra no leste da República Democrática do Congo. A notícia mereceu míseras seis linhas no G1, portal de notícias da Globo. No JC Online, outras 10. No UOL, umas 15. Ah..! Mas deslizamento acontece mesmo! É uma catástrofe natural. Não no Congo onde tudo é mais complicado. Além das chuvas, atividades sísmicas e vulcânicas, o que mais mata lá (neste caso) são os deslizamentos causados por minas ilegais onde centenas de jovens e crianças se arriscam em troca de recompensas ridículas. Muitas vezes apenas por um pedaço de pão. O país ainda é muito rico em recursos naturais, como cobalto, cobre, zinco petróleo e ouro, mas o diamante é a jóia da cora. As reservas são as maiores do mundo. Assim, o que os europeus não saquearam após anos e anos de exploração, ficam em disputa entre os incontáveis grupos armados espalhados por aquele país. 

Na última terça-feira, dia 15, mais de 33 mil refugiados congoleses em Angola foram transferidos para uma nova área localizada um pouco mais próxima das bases de apoio da ONU. Tudo isso para tentar melhorar as condições de vida de uma pequena parcela da população que tenta fugir das cruéis atrocidades cometidas por milicianos e grupos rebeldes. Você provavelmente não deve se lembrar de ter visto este ou qualquer dos fatos citados acima no Jornal Nacional, Globo News, Folha de S.Paulo. Até mesmo o assassinato de dois investigadores da ONU em março, na região central do Congo, foi pouco divulgado. Seus corpos foram encontrados em covas rasas duas semanas depois. 

Na República Democrática do Congo, centenas de pessoas como eu e você, como espanhóis, italianos, franceses e americanos são mortas todos os dias a golpes de facões, flechas, paus e pedras. Mulheres são estupradas seguidamente por semanas. Quando imaginam que o tormento está chegando ao fim, ainda são cruelmente mutiladas, ficando então as marcas de um período de agonia que até o diabo gostaria de esquecer. Crianças nascem em meio à fome e a miséria total. Quando conseguem chegar aos oito, nove anos de idade, são obrigadas a lutar com armas nas mãos ou a trabalhar em minas exploratórias. As meninas tornam-se escravas sexuais. A expressão “infância perdida” é um eufemismo para aqueles que jamais souberam o que é ter infância. Dos cerca de 1,3 milhões de refugiados deslocados pelas Nações Unidas no último ano (apenas de Kasai, região central do país), mais da metade são jovens e crianças que foram separados de suas famílias e recrutados por milícias. A imagem da criança soldado na República Democrática do Congo é mais nítida do que em qualquer outro lugar. 

Eu fico triste ao ver o terrorismo crescente na Europa, antes considerada segura. Fico, sim. Mas fico ainda mais triste quando aqueles que, historicamente mais sofrem no mundo, são simplesmente ignorados. É como se algumas regiões do planeta não estivessem mais no mapa. Há um povo esquecido lá fora. Um povo que sofre o terrorismo diário de não ter um pedaço de pão para comer ou um copo d'água para beber. Que sente o horror de atrocidades inimagináveis correndo em suas veias ano após ano. Imagine dormir e acordar todos os dias com uma fome tão intensa e violenta, capaz de fazer o estômago e cada pedaço do seu corpo doer a ponto de você clamar pela morte. Imagine a escuridão de uma aldeia remota, repleta de homens armados e prontos para sequestrar seus filhos, estuprar suas mulheres e destruir suas casas, ou o pouco que resta delas. Imagine ver dezenas de corpos pútridos espalhados pelas ruas, exalando o cheiro da morte como um sinal de que, naquele lugar, nem o próprio Deus se permite mais estar. Imagine ter uma expectativa de vida de apenas 48 anos.

A realidade mundial é muito mais cruel do que aquilo que podemos ver. A história de que todos somos iguais nunca foi tão mentirosa. Um espanhol é mais importante que um congolês. Um italiano é mais importante que um nigeriano. Um francês é mais importante que um queniano. É assim que o mundo é. É assim que a imprensa e os poderosos de uma classe elitista mundial querem que seja. Alguns tentam ajudar. Alguns tentam mudar esta realidade, mas sem apoio, desistem ou deixam o trabalho incompleto. Assim como aqueles que pretendem ajudar, também são ignorados e esquecidos. 

Grupos terroristas como o Estado Islâmico, Hamas, Talibã e IRA ocupam constantemente as manchetes de jornais. Crianças retiradas de forma violenta e cruel de suas famílias, não. Todos sabem o que acontece na Europa, mas ninguém sabe – ou melhor – ninguém quer saber o que acontece no continente africano, onde pessoas exatamente iguais as europeias vivem e também têm sonhos, esperanças, pais, mães, filhos e filhas. Lá também existem pessoas que não podem ser ignoradas. Que merecem dias melhores. Que merecem uma ação ostensiva de autoridades mundiais para que a escalada da miséria, da fome e da violência um dia termine ou seja pelo menos minimizada. No Congo, na Nigéria, Quênia ou Sudão, nas menores e mais remotas regiões do planeta, as pessoas merecem atenção. Merecem visibilidade, compaixão e ajuda. Merecem misericórdia e merecem que alguém olhe por elas. Merecem amor. 

Segundo o relato bíblico, Deus enviou o dilúvio para apagar o mal que o homem havia espalhado pela terra. Faltava amor ao próximo, exatamente como hoje. É conveniente escolher a quem amar. Parece que fizemos nossa escolha. Pagaremos todos por ela.

"Para que o mal vença, basta que o os homens de bem não façam nada".

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