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sábado, 28 de julho de 2007

"Os Deuses Devem Estar Loucos"... e suas lições.

Estariam loucos só os deuses? Ou todos nós?

Por Jotha Santos
Simplicidade é algo que poucas pessoas têm e usam com propriedade. Em “Os Deuses Devem Estar Loucos”, temos um belo exemplo de como situações complexas e inesperadas do nosso cotidiano podem ser desencadeadas por um único evento simples e até despretensioso.

Neste impressionante filme de 1980, que foi objeto de estudos dos mais filosóficos por antropólogos e sociólogos do mundo todo, podemos fazer uma reflexão, se não profunda, no mínimo curiosa de nossa sociedade contemporânea: Por que dificultar se podemos simplificar?

A incrível história de “Os Deuses Devem Estar Loucos” começa com a quase desértica paisagem do Kalahari, região localizada ao sul da África. Ao sobrevoar o local, um desavisado piloto de avião atira pela janela uma garrafa de Coca-Cola que cai em uma pequena comunidade de bosquímanos, povo com milhares de anos de história e que ainda não tinha tido nenhum tipo de contato com a civilização moderna.

Sem entender bem do que se tratava, os nativos atribuíram aquilo como um presente dos deuses, já que literalmente caiu do céu. A garrafa, daquelas bem antigas, de vidro grosso e com o emblemático logotipo da Coca-Cola quase em relevo, fez a alegria de todos na aldeia durante algum tempo. Servia para tudo. De “pau-de-macarrão” a ferramenta de trabalho, o presente dos deuses trouxe “modernidade” e “praticidade” para aquele povo simples.

O problema é que, por ser única, a até então inofensiva e eficaz garrafa passou a ser motivo de desavença dentro da comunidade. Sentimentos típicos de uma sociedade moderna como a cobiça e a ganância, passaram a fazer parte do cotidiano da tribo. A paz havia terminado. A inocência fora perdida.

Mas porque raios então os deuses teriam enviado para aquele povo tamanho motivo de discórdia? Que tipo de presente era este? Só pode ter sido um engano divino! Foi o que concluiu Xixo, o chefe da tribo, que com sua singela sabedoria, decide atravessar o perigoso deserto do Kalahari e levar de volta aos deuses o erradio presente.

É a partir daí que toda a aventura do filme começa. As andanças do líder bosquímano recheiam a trama de situações engraçadas e inusitadas. Em sua jornada para devolver a “coisa má”, Xixo inevitavelmente acaba encontrando outras pessoas, outras culturas. Para ele, tudo aquilo lhe parece muito estranho. Nada poderia ser mais feio do que uma mulher loira e de pele branca.

O filme faz rir pelo humor ingênuo e situações absurdas vividas pelos personagens, mas também nos faz refletir sobre a maneira como muitas vezes observamos a nossa sociedade. Quase sempre, complicamos demais as coisas quando elas poderiam ser muito mais simples. E só quando olhamos o mundo pelos olhos de Xixo, a simplicidade em pessoa, é que compreendemos que tudo poderia ser mais fácil, ou pelo menos, deveria.

Por outro lado, no entanto, olhar o mundo com tamanha inocência e naturalidade pode nos trazer uma enorme frustração ao percebermos que a interpretação que damos aos fatos e as coisas que nos cercam são, na verdade, quase sempre contestáveis. Estariam loucos só os deuses? Ou todos nós?

“Os Deuses Devem Estar Loucos” foi um filme de baixíssimo orçamento, onde tudo era realmente simples. Da atuação de seu personagem principal até a produção e divulgação, tudo foi modesto. Nada mais apropriado para um filme sem pretensões, mas com lições preciosas para um mundo onde complicar é sempre mais fácil do que simplificar.

N!Xau

Há fontes confiáveis que dizem com convicção que o nosso saudoso N!Xau recebeu apenas 100 dólares para atuar no primeiro filme. Ele era um autentico bosquímano que nunca tinha tido contato com a civilização moderna. Jamais representou ou atuou antes de protagonizar “Os Deuses...”, nem mesmo em sua tribo. Sua inocência e humildade, tanto na vida quanto no cinema, ficarão guardadas para sempre em nossa memória.

Nascido na Namíbia e batizado Cgao Coma, N!Xau foi sempre um exemplo de que as origens não devem ser perdidas. Mesmo após o "estrelato" e de uma continuação um pouco mais “rentável” (parece que recebeu 300 dólares pelo segundo filme), Xixo ficou em sua terra natal cuidando do gado e de suas pequenas plantações de milho e abóboras. Construiu apenas uma casa de tijolos e instalou uma bomba d'água "para dar mais conforto à família".

Em julho de 2003, saiu bem cedo para caçar, como de costume, nas regiões desérticas próximas a sua casa e não retornou mais. Morreu de causas ainda desconhecidas, segundo relatório policial da época. Em meados dos anos 90, foi acometido por uma tuberculose que o deixou bastante debilitado. Tinha, acredita-se, 59 anos, pois nem ele mesmo sabia sua idade com certeza. Mesmo seus familiares acreditam que ele era bem mais velho. Teve nove filhos em três casamentos.

Esteja onde estiver, N!Xau deixou a todos nós um exemplo de vida. Um legado de alegria, humildade, inocência, perseverança e força de vontade!

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