quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Heróis negros não são permitidos!

Seria o primeiro Natal juntos entre pai e filho.
Por Jotha Santos
Heróis negros são sempre muito legais. E não há nenhuma relação com “representatividade” ou discurso de inclusão de “minorias”. Isso é bobagem. Eles surgiram muito antes disso. Pantera Negra, Tempestade, Raio Negro, Cyborg, Luke Cage, entre tantos outros. Uau! Eles são incríveis, honrados, venerados e respeitados por todos. Mas com Jemel Roberson não foi assim. A ele não foi dado o respeito e admiração por sua coragem. Suas honrarias serão concedidas apenas por seus familiares e amigos em seu funeral. Na vida real, heróis negros não são permitidos. 

Segurança em um bar de Chicago, Jemel Roberson foi morto por um policial enquanto imobilizava um atirador. Ele havia rendido um homem que abriu fogo dentro do estabelecimento na madrugada de domingo (11). Roberson conseguiu desarmar e segurar o criminoso no chão com uma arma apontada para suas costas enquanto aguardava a chegada das autoridades. A situação estava sob controle. Quando a polícia chegou, ao vê-lo armado, abriu fogo. Jemel Roberson foi declarado morto logo após dar entrada no hospital. 

Sem perguntas, sem analisar a situação e agindo por “instinto”, o policial que atirou em Roberson apenas relatou “ter abatido um elemento com uma arma”. “Todos que estavam lá gritaram que ele era um segurança, mas é isso: Viram um homem negro com uma arma e começaram a atirar”, relatou uma testemunha. O segurança tinha porte legal de arma de fogo. Outras quatro pessoas ficaram feridas sem gravidade, inclusive o atirador. Ao evitar um final de madrugada trágico para desconhecidos, o rapaz de apenas 26 anos encontrou o seu próprio fim. A família argumenta e acredita que Jemel foi morto apenas pelo fato de ser negro. Eu também acredito. Policiais despreparados e preconceituosos estão em todos os lugares. Gostaria muito que por um acaso do destino, Jemel Roberson fosse François Armand Beaumont, branco, rico e bem sucedido, que após um bravo ato de heroísmo, veio a salvar a vida de muitas pessoas em um café na Champs-Élysées. Seria ele aclamado por todos, reverenciado e laureado com todas as pompas, mas a maior recompensa de todas seria estar vivo! 

Quero repetir aqui mais uma vez o seu nome: Jemel Roberson, 26 anos, negro. Sei que ele não será lembrado por muitos. Os comentaristas da grande mídia, personalidades e influenciadores da banalidade, isolados em seus casulos de hipocrisia, pouco se importam. Heróis são apenas aqueles que lhes rendem benesses lucrativas, vantagens ilícitas, promessas egoístas, associações espúrias e relações viciadas. São vencedores de reality shows, youtubers desprezíveis, políticos gatunos, peladões e peladonas, “lacradores” ou qualquer outro palerma que esteja dentro dos critérios peçonhentos de interesse e relevância baseados em preconceitos. 

Heróis, para eles, não podem ser pessoas comuns, gente de bem. Roberson era um promissor tecladista das igrejas da região em que morava. Trabalhava à noite e fazia suas economias para comprar um novo apartamento após o nascimento de seu filho. Sua esposa, Avontea Boose desabafou: “Seria o primeiro Natal do meu filho com o pai, mas agora ele vai perder tudo”. Roberson tinha o desejo de se tornar um policial. Foi morto justamente por alguém que materializava o seu sonho. 

Da ficção para a realidade o abismo é gigantesco. Panteras Negras e Raios Negros estarão lá para salvar o dia e serão aplaudidos, mas apenas na magia do Cinema. Aqui do outro lado, onde muitos heróis de todas as cores travam suas batalhas, as honrarias não existem. O ato de coragem em uma madrugada fria será apenas uma nota de rodapé, um comentário ácido e uma análise saturada de hostilidades e prejulgamentos. Poucos darão a verdadeira importância dos acontecimentos de domingo em Chicago. Assim são os heróis da vida real. Os heróis das coisas que realmente importam, do amor ao próximo, da doação e entrega mesmo diante do perigo iminente e do desejo de “fazer o bem sem olhar a quem”. Dos pequenos atos aos mais grandiosos feitos, em cada esquina nasce um novo herói, um novo Luke Cage, um novo Lanterna Verde ou uma nova Tempestade, mas hoje, para mim, só um nome realmente deve ser memorável. Este nome é Jemel Roberson.

2 comentários:

João disse...

Texto excelente! Se você não é David Carradine, não pode ser herói. Dura realidade. Se Jesus aparecer negro, muita gente vai xingar!

Jotha Santos disse...

Muito bem colocado. Lembro-me quando cientistas reproduziram aquela que seria possivelmente a verdadeira aparência de Jesus... negro...

Foram muitas as manifestações contrárias e a imagem, até hoje, é pouco divulgada ou falada. Enfim... temos muito a evoluir!

Grande abraço!

Leia Também

Um mané e os esbarrões do amor

Asim deve ser a troca de olhares. Do contrário, desista. Por Jotha Santos O utro dia me perguntaram se existe a “tal coisa” de “amor ...