quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Fundamentos da EVI e a arte de escrever para o nada

Sozinho, você é a fonte, o redator, o editor e a crítica.
Por Jotha Santos
Escrever para o nada é uma arte. Leva tempo e precisa ter uma boa dose de demência, carreada por um otimismo alucinógeno que apenas os mais atormentados possuem. Pode parecer frustrante para alguns, mas é possível superar as barreiras do desencanto trabalhando corretamente a extraordinária habilidade de se comunicar com o vazio. É o que eu chamo de EVI - Escrita no Vácuo com Insanidade.

Quem nunca falou com as paredes? Com o controle remoto, a escova de dentes e a cafeteira elétrica? Quem nunca teve aquele dedo de prosa com suas sandálias Havaianas, alertando-as sobre a responsabilidade de manter as solas para baixo a fim de evitar o trânsito prematuro de sua progenitora até as regiões celestiais? Ao escrever, você faz praticamente a mesma coisa, mas certo de que paredes, sandálias, ventiladores e xícaras de café podem não apenas ouvir, mas também apreciar uma boa leitura.

Claro que escrever para um grande público e não apenas para o limbo e objetos inanimados deve ser bom. Saber que aquelas linhas irão alcançar uma infinidade de pessoas de todos os tipos e das mais variadas ideologias, convicções e princípios é, seguramente, uma experiência singular. Mexer com a sinapse alheia usando apenas palavras é um combustível incomparável para a inspiração literária. Ao menos é o que imagino, já que tamanha virtude não faz parte da vida daqueles que compõem verbetes para máquinas de lavar roupas.

Mas escrever mesmo sabendo que ninguém da a menor importância também tem lá o seu valor. Na verdade, é o pilar que sustenta boa parte do conceito de EVI. Por experiência própria, sei que não é fácil superar frustrações, fracassos e falsas expectativas por anos a fio.  A verdade é que é bem difícil, já que a EVI não possui nenhuma das benesses daqueles que escrevem para um sem-número de pessoas. Na Escrita no Vácuo com Insanidade não há feedback, indagações, objeções, reflexões, desmentidos e tapinhas nas costas. Há apenas o absoluto nada; o vácuo. Sozinho, você se torna eternamente responsável por aquilo que escreve, mas não cativa.

Desde que a escrita nasceu, lá nos tempos das páginas de pedra e cerveja quente, o homem sempre manifestou o desejo de propagar suas ideias. Todo sumeriano erudito e bem letrado esperava por uma olhadela em sua rocha talhada, repleta de notícias sobre avistamentos extraterrestres, crônicas da vida cotidiana, análises astronômicas e informações de última hora. Tenho certeza de que quando isso não acontecia, o desapontamento era grande, afinal, naquela época a EVI ainda não havia sido inventada. Pobres sumérios!

Da idade da pedra para as redes sociais, a coisa fica ainda mais constrangedora desafiadora. Dedicar algumas horas do seu precioso tempo para cunhar algumas linhas de sabedoria, compartilhá-las com entusiasmo entre milhares (talvez milhões) de seres humanos e não obter uma única visualização é algo que apenas os mais versados em EVI conseguem absorver sem mergulhar em profunda melancolia. Saber que o seu estimado ajuntamento de frases e orações tem para os outros o mesmo valor que uma nota de três reais é desanimador, eu sei.  Mas a epopeia do poeta ignorado precisa ser observada pelo ângulo positivo: O vazio de escrever para o indeterminado jamais poderá impedi-lo de continuar. Bom ou ruim, certo ou errado (melhor optar pelo certo), intrigante ou enfadonho, útil ou desnecessário, e por mais invisível que o seu texto possa parecer, em seu universo de palavras, você é a fonte, o redator, o editor, o leitor e a crítica. Não há deserto literário que não possa ser domado quando você está no controle de boas idéias, um lápis bem afiado e um punhado de páginas em branco. Quem se importa se alguém vai ler ou não?

Na EVI, o mais significativo e meritório mesmo é gravar em palavras aquilo que se deseja sem esperar a apreciação de outrem. Sem aguardar qualquer tipo de reação, contestação, louvor ou elogio de um semelhante (Havaianas não são semelhantes - eu estou falando das sandálias, claro), seja cunhando uma tábua de argila com ensinamentos de outras galáxias sobre viagens no tempo ou redigindo um modesto blog sobre assuntos aleatórios e sem importância. O princípio da Escrita no Vácuo com Insanidade não aspira contemplação ou recompensa. Com uma pequena dose de loucura e teimosia, apenas confere ao escritor anônimo a capacidade de reunir, registrar e transmitir palavras, mesmo sem ver ou ter a quem.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

A Mosca de Banheiro - Parte III

Cadê a Greta nessas horas?
Se a Greta lutasse mais pelas verdadeiras causas...
Por Jotha Santos
Antes que meus caríssimos leitores pensem que eu tenho algum tipo de fixação por moscas de banheiro, afirmo categoricamente que não. Não é isso (ou talvez tenha e não queira admitir)!  O fato é que, em um dia qualquer de quarentena compulsória do estranho ano de 2020, o tema brotou novamente como um caroço de feijão no ouvido e tornou-se o assunto mais comentado do Twitter na ocasião. E eu juro que não estava procurando nada sobre. Deve ser algo como aqueles sonhos que nos perseguem a vida inteira e a gente nunca consegue se livrar, ou parte das minhas alucinações dípteras psicodídeas já relatadas em textos anteriores.

É fato que muitas pessoas ainda desprezam a pobre mosquinha de banheiro e isso me incomoda. Desprezam mais do que dinheiro falso, fita K7 do Menudo e frases da Dilma. Mal sabem a utilidade dessas criaturas aladas para o equilíbrio e manutenção da nossa fauna sanitária. E é lá no banheiro que elas jogam em casa. Se você alguma vez observar uma delas fora do seu habitat natural (na sala de estar, por exemplo), faça uma boa ação: Imagine-a como uma tartaruga perdida do Projeto Tamar (o nível de importância é equivalente) e conduza-a cuidadosamente ao ralo mais próximo em seu WC.

Se a Greta Thumberg lutasse mais pelas causas dessas singelas entidades felpudas que habitam a casinha, o mundo seria melhor. Quantas delas você abateu só hoje em seu ligeiro banho matinal? Quantas vidas você eliminou borrifando Mr. Músculo em suas diminutas larvas? Larvas que jamais poderão experimentar a metamorfose da vida, ainda que curta. Outro dia eu li que jogar água fervente em ralos e rejuntes pode auxiliar no extermínio das pobres coitadas. Cadê a Greta nessas horas?

Uma mosca de banheiro vive apenas uns 15 dias, ou seja, menos tempo do que você levaria para programar um videocassete ou aprender inglês na Open English. Parece pouco, mas neste efêmero ciclo de vida, ela faz muito por você. Apesar de não voar lá muito bem (daí o motivo de sua fácil captura e matança desenfreada), os acanhados insetos do gênero Psychoda são seus maiores aliados na preservação e salubridade de sua casa de banho (entre outras coisas). Eles se alimentam de restos, inclusive os seus! Pele, pelos, cabelos e outros materiais orgânicos desenvolvem bactérias que servem de refeição para os pequenos odiados (muito mais do que oito, dependendo da pujança aplicada na limpeza do seu WC). Limo, bolores e fungos contidos em azulejos e ralos são como um banquete romano.

Apesar de carregar consigo a obscura denominação “mosca”, sua melhor ouvinte em momentos de cantoria no chuveiro é completamente inofensiva. Não transmite nenhum tipo de doença, não suga seu sangue como o Conde Drácula e é incapaz de desferir uma única picada. A mosca de banheiro jamais aferroa as mãos de quem a alimenta. Disciplinada, é quase impossível encontrá-la, por exemplo, em sua cozinha, o que poderia causar certo desconforto, muito embora o setor gastronômico do seu lar tenha o ambiente propício para o surgimento de coisas bem mais repulsivas. Uma mosca de banheiro existe apenas para colaborar com o ecossistema sanitário de sua latrina, tão bem decorada com capinhas e tapetes de crochê feitos pela sua avó em 1984. Deveria se chamar “Borboleta de Toalete”, algo muito mais poético e digno de sua nobre função.

Eu entendo que se a população de psychodas estiver crescendo exponencialmente a ponto de incomodar as visitas, é conveniente realizar algum tipo de intervenção. Mas vá com calma. Troca de sifões, telas nos ralos, litros de Qboa e água fervendo uma vez por semana podem ser soluções drásticas demais e você será o único responsável pela iminente extinção desse simpático espécime, pelo menos em sua casa. Um recurso rápido, eficaz e indolor consiste em usar uma raquete elétrica - daquelas vendidas em semáforos - a fim de eliminar apenas o excedente. Descarte os corpos rapidamente. Comprar um sapo e criar aranhas também ajudam.

Logo mais, ao adentrar seu sanitário para atividades de cunho íntimo e que não dizem respeito a mais ninguém, olhe, contemple e reflita sobre aquelas singulares criaturas. Elas só querem um pedacinho de azulejo, uma fresta de rejunte, um ralo para preservação da espécie e um bocadinho de microrganismos naturalmente fornecidos por você. Em troca, te ajudam na limpeza profunda sem reclamar, fazer greve, picar, invadir outros cômodos, transmitir alguma moléstia bizarra e, principalmente, sem zumbir no seu ouvido de madrugada acabando com o seu sono. Salve a mosca de banheiro!

Foto: https://www.semanticscholar.org/paper/Predatory-Activity-of-Psychoda-alternata-Say-(-%3A-)-Bardicy/bf62a2b47be0ea8ee1b595e21d3d5acb9be2d6d9

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Quanto tempo o tempo tem?

No coador de pano, o tempo passava seu café e narrava suas histórias.
Por Jotha Santos
Quanto tempo têm 106 anos? É tempo suficiente para uma pequena semente aflorar como uma frondosa árvore de sombras acolhedoras. É tempo o bastante para a chuva molhar o deserto, uma ilha emergir no oceano, um vulcão despertar de seu sono, ou ainda, testemunhar o rabiscar do próprio rosto nos traços das incontáveis estações. É tempo para ver a vida mudar, dissipar gerações, alcançar os céus, provar das guerras, contar tragédias. Quanto tempo o tempo tem?

Há pouco mais de um século, o tempo estava lá quando o Baião nasceu. Dividiu espaço com os pais de Tieta e de Ave Maria no Morro. O tempo estava lá quando ninguém sabia ainda o que eram vitaminas, raios laser, Teoria da Relatividade, linha de produção e bomba atômica. O tempo estava lá quando os antibióticos, a televisão e os foguetes transformaram o mundo. Quando a corpulência era bela, as saias subiram até os joelhos, as ruas ficaram cheias e os homens pisaram na Lua. 

No coador de pano, o tempo passava seu café e narrava suas histórias. Todos queriam ouvir. Jovens e crianças olhavam com admiração. Na comunidade em que dividia generosidade e experiência, apreciar pequenas doses de bondade e conhecimento era programa indispensável. Ali, numa singela casa de objetos adornados em tricô e crochê, o relógio de mesa lhe contava o passar das horas. Viajar ao passado era permitido a qualquer um. Só bastava bater à porta.

Mas o mal que destrói avizinhou-se daquele lugar. A estupidez e a barbaridade silenciaram o tempo. O tempo não existe mais. O sorriso esquadrinhado pela baliza de um século deixou de resplandecer e aquelas histórias extraordinárias não serão mais contadas, pois o tempo parou. Os mais moços agora ouvem apenas o som do silêncio e as memórias da tristeza. O coador está vazio. O café não mais exala seu aroma de alegria. Quanto tempo têm 106 anos? Não o bastante para conquistar o perdão, a misericórdia e a compaixão desse mundo, pois o mundo é mau e o mal não conhece perdão. 

Trinta reais de um velho porta niqueis foi o valor dado pelo mal ao tempo de incalculável valor. Antônia Conceição da Silva, brasileira, 106 anos, era a verdadeira personificação do tempo. Um século de inestimável sabedoria, recontos, prosas e versos que legavam aos seus o verdadeiro significado da grandeza que só o tempo pode construir. Mas o tempo agora foi contar suas aventuras em um lugar diferente. Um lugar onde muitos chegaram antes dele, mesmo passando por aqui bem depois dele. Um lugar onde as ruas são de ouro e repletas do brilho de pedras preciosas e jaspe claros como os cristais. Onde não há choro e no centro de um formoso jardim, a Árvore da Vida, aquela que cura e restaura. Onde o mal não pode mais alcançar. O tempo veio e se foi. E o tempo era Dona Antônia Conceição da Silva, brasileira, 106 anos.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Canções de uma vida ordinária

Eu deveria ter aprendido a tocar guitarra. É assim que se faz!
Por Jotha Santos
Faz tempo que as meninas do “Leblon” não olham mais pra mim, afinal, eu sou apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior. Foram vários os sonhos de verão numa praia, mas a onda do mar apagou. E nem foi tão lindo assim. Sempre soube que a felicidade é como uma estrela que não está lá. Um conto de fadas, uma história comum. É como chuva de prata que cai sem parar e quase me mata de tanto esperar. E é aí que eu me afogo num copo de cerveja naquela mesa de bar, pois assim caminha a humanidade; com passos de formiga e sem vontade.

Meu caso é mais um. É banal, mas preste atenção, por favor. Eu não sou cachorro, não, pra viver tão humilhado e ser tão desprezado. Por isso eu bebo e choro, e choro com razão. Choro e ninguém liga pra mim. Eu não sei o que fazer da minha vida. É a história dolorosa de um fracasso. Eu machuquei a mim mesmo hoje para ver se eu ainda sinto. O que eu me tornei? Todos os que eu conheço vão embora no final. 

O médico estava com medo que o meu figueiredo não andasse bem. Ele receitou jurubeba, alcachofra, e de quebra, carqueja também. Tentaram me mandar para a reabilitação, mas eu disse: Não, não, não! Não há nenhum médico que possa curar minha doença. Tenho uma doença permanente e vai ser preciso mais do que um médico para me receitar um remédio. Talvez o Dr. Robert. Vou continuar orando pela chuva que cura para restaurar outra vez a minha alma.

Eu tenho que instalar fornos de microondas, entregar cozinhas sob medida, carregar geladeiras e televisões em cores. Eu deveria ter aprendido a tocar guitarra. É assim que se faz. Todos os dias parecem um pouco longos, aconteça o que acontecer. Em mais três dias eu vou deixar essa cidade e desaparecer sem rastros. Em um ano, a partir de agora, talvez tudo tenha se acalmado. Se eu pudesse começar de novo, a milhões de milhas daqui, eu me salvaria. Eu acharia um caminho.

Há tantos mundos diferentes. Tantos sóis diferentes. Todo homem tem que morrer e estas montanhas cobertas de neve são um lar para mim agora. Eu sabia que seu eu tivesse a minha chance, eu poderia fazer aquelas pessoas dançarem, mas eu sabia que estava sem sorte no dia em que a música morreu. Eu já tive amores ruins o bastante. Chega de amores que não prestam. Eu preciso de algo que eu possa me orgulhar. Eu quero me libertar. Eu tenho que me libertar! 

Eu sei que você acredita em mim e isso é tudo o que eu sempre precisei. Me levanto e nada me faz cair. Eu não sou o pior que você já viu. Você entende o que eu quero dizer? Eu poderia muito bem pular! Chorando, minhas lágrimas continuam caindo a noite inteira. Esperando, me sinto tão inútil e eu sei que isso é errado. 

Sábado à noite, por volta das oito, eu sei o que vou fazer. Eu vou pegar a minha garota e levá-la ao cinema. Quem se importa com o filme que você vê quando se esta abraçado com sua garota na última fila? Do parque, você pode ouvir o som alegre de um carrossel e quase sentir o gosto do cachorro-quente e das batatas fritas que eles vendem. Eu me fortaleci e eu aprendi como me arranjar. Você pensou que eu me rasgaria em pedaços? Você pensou que eu deitaria e morreria? Eu sei que permanecerei vivo. Eu tenho minha vida toda pela frente. Eu vou sobreviver, pois este ainda não é o dia em que morrerei.


Texto livremente inspirado em canções de: Amy Winehouse, Beatles, Belchior, Bon Jovi, Buddy Holly, Dire Straits, Don McLean, Eric Clapton, Fábio Jr., Gal Costa, Glória Gaynor, João Nogueira, Johnny Cash, Luan e Vanessa, Lulu Santos, Nelson Gonçalves, Odair José, Paralamas do Sucesso, Queen, Reginaldo Rossi, Só Pra Contrariar, The Drifters, Van Halen, Waldick Soriano.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Eu entendo a Fernanda Lima

O controle está do outro lado da tela.
Por Jotha Santos
Quando a apresentadora Fernanda Lima declarou: “É muito difícil fazer esse programa. A minha profissão nunca foi criadora de formato, roteirista, e escrever esse programa é muito difícil. O processo criativo é de um sofrimento terrível pra mim...”, eu entendi o que ela quis dizer. É complicado mesmo tentar fazer coisas as quais não temos inclinação, destreza e liberdade. E não é culpa dela. Processos criativos e de conteúdo são naturalmente complexos e labirínticos, principalmente em um momento em que idealistas e ideologias condicionam a onipresença de seus discursos sorrateiros. E isto sempre existiu. Tentar fazer algo de qualidade e digno de aplausos, neste cenário, é quase sempre uma tarefa hercúlea.

Lembro-me uma vez quando trabalhei como repórter policial no interior de São Paulo. Eu sabia fazer aquilo. Era minha praia. Foi então que a editora me pediu para cobrir as férias da repórter da editoria de Política. Eu não conhecia aquele mundo, mal entendia a linguagem daquela turma e não me sentia nenhum pouco a vontade entre homens engravatados e mulheres de meias-calças. Para piorar, quando chegava à redação, o texto empacava, a narrativa era medíocre e finalizar uma única pauta diária era um tormento. Foi um desastre.

Não posso comentar aqui especificamente sobre o conteúdo do programa de Fernanda Lima. A atração chega ao seu final sem que eu a tenha visto, mas entendo o momento pelo qual a esposa do Rodrigo “Mr. Maravilha” Hilbert está passando. Quando algo que fazemos e nos dedicamos torna-se um sofrimento, é hora de repensar. No lugar dela eu faria o mesmo, ainda que concordasse (ou não) com os ideais e princípios da “família Marinho”, como ela aparentemente concorda e reproduz. Tudo isso passa a ser irrelevante no momento em que tais valores, independentemente do conteúdo, já não são mais transmitidos de forma natural, ética, pertinente e com qualidade criativa. E se o trabalho passa a ser um torturante calvário, difícil será encontrar nele algum predicado. O melhor mesmo é ponderar. Ela tem talento e vocação inquestionáveis, mas talvez seja esta a oportunidade de um novo direcionamento. Um recomeço.

Antes de voltar para o conforto das delegacias, tiroteios, assassinatos, suicídios e textos explosivos, recebi algumas críticas pelo trabalho na editoria de Política. Chegaram a ligar na redação para reclamar, pois algo estava muito “diferente”. Até o prefeito protestou! As críticas são assim e elas também determinam em quais águas podemos navegar. As de Fernanda Lima me pareciam muito perigosas; pelo tema, por suas convicções e pela forma como conduziu seu trabalho naquele cargueiro de caprichos e vaidades chamado Rede Globo. Pelo que li, a audiência caiu, a desaprovação foi brutal e a medida mais razoável foi decretar o fim da atração.

Segundo Fernanda Lima, “Amor & Sexo”, também a afastava de casa, dos filhos e do marido, deixando tudo ainda mais complicado, afinal, quem é que consegue ficar muito tempo longe do homem mais espetacular, esplêndido e sensacional que a natureza uma vez criou?

Uma pausa para reflexão talvez seja uma boa ideia para ela neste momento. Vai curtir a natureza, os pequenos e o super marido. Comer carne de crocodilo caçado, limpo e preparado por ele. Dormir em engenhosas cabanas improvisadas na selva com água encanada e eletricidade igualmente fornecidas por ele. Vai ali contar uma piada, assistir filmes, jogar vídeo-game, andar de bicicleta e nadar pelada no rio. Comer brigadeiro, milho assado e cachorro-quente. Vai ali ler um bom livro, escrever anedotas, contos de amor e ouvir uma boa música. Faz bem para a alma e o coração. Volte renovada e faça algo que traga contentamento, não necessariamente para os outros. Faça tudo de forma genuína, mas sem forçar a barra, pois ela pode se dobrar e, por fim, se quebrar. Só não vai ali ouvir o Rodrigo Hilbert cantando no comercial da Tim, pois isso pode não ser assim tão salutar, afinal, até ele tem limites.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Heróis negros não são permitidos!

Seria o primeiro Natal juntos entre pai e filho.
Por Jotha Santos
Heróis negros são sempre muito legais. E não há nenhuma relação com “representatividade” ou discurso de inclusão de “minorias”. Isso é bobagem. Eles surgiram muito antes disso. Pantera Negra, Tempestade, Raio Negro, Cyborg, Luke Cage, entre tantos outros. Uau! Eles são incríveis, honrados, venerados e respeitados por todos. Mas com Jemel Roberson não foi assim. A ele não foi dado o respeito e admiração por sua coragem. Suas honrarias serão concedidas apenas por seus familiares e amigos em seu funeral. Na vida real, heróis negros não são permitidos. 

Segurança em um bar de Chicago, Jemel Roberson foi morto por um policial enquanto imobilizava um atirador. Ele havia rendido um homem que abriu fogo dentro do estabelecimento na madrugada de domingo (11). Roberson conseguiu desarmar e segurar o criminoso no chão com uma arma apontada para suas costas enquanto aguardava a chegada das autoridades. A situação estava sob controle. Quando a polícia chegou, ao vê-lo armado, abriu fogo. Jemel Roberson foi declarado morto logo após dar entrada no hospital. 

Sem perguntas, sem analisar a situação e agindo por “instinto”, o policial que atirou em Roberson apenas relatou “ter abatido um elemento com uma arma”. “Todos que estavam lá gritaram que ele era um segurança, mas é isso: Viram um homem negro com uma arma e começaram a atirar”, relatou uma testemunha. O segurança tinha porte legal de arma de fogo. Outras quatro pessoas ficaram feridas sem gravidade, inclusive o atirador. Ao evitar um final de madrugada trágico para desconhecidos, o rapaz de apenas 26 anos encontrou o seu próprio fim. A família argumenta e acredita que Jemel foi morto apenas pelo fato de ser negro. Eu também acredito. Policiais despreparados e preconceituosos estão em todos os lugares. Gostaria muito que por um acaso do destino, Jemel Roberson fosse François Armand Beaumont, branco, rico e bem sucedido, que após um bravo ato de heroísmo, veio a salvar a vida de muitas pessoas em um café na Champs-Élysées. Seria ele aclamado por todos, reverenciado e laureado com todas as pompas, mas a maior recompensa de todas seria estar vivo! 

Quero repetir aqui mais uma vez o seu nome: Jemel Roberson, 26 anos, negro. Sei que ele não será lembrado por muitos. Os comentaristas da grande mídia, personalidades e influenciadores da banalidade, isolados em seus casulos de hipocrisia, pouco se importam. Heróis são apenas aqueles que lhes rendem benesses lucrativas, vantagens ilícitas, promessas egoístas, associações espúrias e relações viciadas. São vencedores de reality shows, youtubers desprezíveis, políticos gatunos, peladões e peladonas, “lacradores” ou qualquer outro palerma que esteja dentro dos critérios peçonhentos de interesse e relevância baseados em preconceitos. 

Heróis, para eles, não podem ser pessoas comuns, gente de bem. Roberson era um promissor tecladista das igrejas da região em que morava. Trabalhava à noite e fazia suas economias para comprar um novo apartamento após o nascimento de seu filho. Sua esposa, Avontea Boose desabafou: “Seria o primeiro Natal do meu filho com o pai, mas agora ele vai perder tudo”. Roberson tinha o desejo de se tornar um policial. Foi morto justamente por alguém que materializava o seu sonho. 

Da ficção para a realidade o abismo é gigantesco. Panteras Negras e Raios Negros estarão lá para salvar o dia e serão aplaudidos, mas apenas na magia do Cinema. Aqui do outro lado, onde muitos heróis de todas as cores travam suas batalhas, as honrarias não existem. O ato de coragem em uma madrugada fria será apenas uma nota de rodapé, um comentário ácido e uma análise saturada de hostilidades e prejulgamentos. Poucos darão a verdadeira importância dos acontecimentos de domingo em Chicago. Assim são os heróis da vida real. Os heróis das coisas que realmente importam, do amor ao próximo, da doação e entrega mesmo diante do perigo iminente e do desejo de “fazer o bem sem olhar a quem”. Dos pequenos atos aos mais grandiosos feitos, em cada esquina nasce um novo herói, um novo Luke Cage, um novo Lanterna Verde ou uma nova Tempestade, mas hoje, para mim, só um nome realmente deve ser memorável. Este nome é Jemel Roberson.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

O oráculo da casa tomou todo o espaço

Grupo Abril: Nove das 11 revistas fechadas
Por Jotha Santos
O mercado editorial brasileiro em 2018 passa por uma enorme crise. Desde livrarias tradicionais como Saraiva e Cultura, até grandes empresas estrangeiras que cancelaram suas operações no Brasil, como a Fnac, todos sentem o golpe. Em agosto, o Grupo Abril, um dos maiores e mais populares conglomerados de mídia do país anunciou o fechamento de 11 revistas – isso mesmo – onze. Centenas de profissionais foram demitidos e o público cativo de alguns magazines ficaram órfãos de suas habituais fontes de informações segmentadas. Eu mesmo gostava muito da “Mundo Estranho”.

Não farei aqui nenhuma análise de situações que contribuíram para tamanha crise no setor (e eu nem me atreveria). É claro e evidente que as mídias digitais tomaram (e estão tomando) os espaços dos formatos tradicionais e daqueles que não se adaptam, mas não é só isso. No caso da Abril, por exemplo, temos uma crise também moral e ética. O compromisso com a verdade é secundário. 

A decadência de princípios e dignidade tem saltado aos olhos, principalmente quando falamos da revista Veja, antes uma referência do jornalismo brasileiro. O principal produto Abril resiste, pois ainda é “rentável”, mas terá que passar por uma reestruturação radical. Ideologias, conceitos, recursos, visão jornalística, enfim, todas as doutrinas que permeiam o bom jornalismo precisam de uma nova direção. Infelizmente, muitos periódicos de qualidade do grupo "pagaram o pato", afinal, não carreavam tanta ideologia de favorecimento próprio. A diversidade na Abril tornou-se menos importante. O oráculo da casa tomou todo o espaço.

Mas a população acordou. Não estamos mais presos à grande mídia. Apesar de suas restrições e do grande monopólio de algumas gigantes da era digital, a Internet trouxe novas vozes, novos observadores da realidade e temos acesso. Hoje, somos todos os “olhos do mundo” e eles estão bem abertos. Não há mais espaço para engodos, trapaças, armadilhas e “edições Mandrake” com o objetivo de apresentar a realidade que eles querem moldar; a realidade que combina melhor com um veículo ardiloso, seus anunciantes, acionistas e seus enormes bolsos. Quem se pautar por esta decrépita formula certamente não vai sobreviver.

O novo presidente já avisou!

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Uma campanha histórica. Nossa, e de graça!

Manifestação com gente civilizada é bobagem
Por Jotha Santos
O que vimos ontem por todo o país foi, provavelmente, a maior manifestação popular da história do Brasil. E não só uma manifestação, mas uma imensa e excepcional campanha para um presidenciável. E tudo de graça! Alguns, vejam só, até “lucraram”. Quando é que presenciamos a venda de camisetas, bonés, broches, bandeiras e uma infinidade de outros objetos com o rosto de um político estampado? O que antes era distribuído (e ninguém queria), agora vale ouro. Vale um ideal.

Apesar do desejo de alguns, não houve baderna e nem discórdia. Nada de pessoas nuas fazendo suas necessidades e muito menos enfiando crucifixos em lugares “secretos”. Nenhum quebra-quebra, nenhum saque, nenhuma suástica labiríntica, nenhum gás lacrimogêneo ou balas de borracha. Milhões de pessoas caminharam pelas ruas simplesmente para provar que o Brasil pede mudança. A “grande” imprensa quase não deu importância. Sem anarquia e contra os seus caprichos políticos, não vale. Não é notícia. Manifestação com gente civilizada é bobagem!

A história dos acontecimentos do dia 21 de outubro de 2018 será contada por nós, o povo. A “ilustre” imprensa nacional (e até a internacional), salvo pequenas exceções, não irá colaborar com os verdadeiros registros, com os fatos. É papel dela, mas não dessa vez. Quem sabe, uma coisa ou outra sobre um certo vídeo pinçado em tom editorial oportunista, mas nada além disso. Por sorte, a tecnologia das duas últimas décadas nos deu uma voz, antes distorcida pelos interesses daqueles que controlavam os meios.

A narrativa dos eventos de domingo fica por nossa conta. O registro é nosso. As fotos, os vídeos, os depoimentos, os tuítes e os zaps são nossos, ainda que alguns queiram censurar. Ainda que alguns digam que isso não é democrático. Não vão conseguir. Somos mais, pois nós somos a própria história, a verdade e o desejo de transformação.


sábado, 20 de outubro de 2018

Folha de S.Paulo: Sobreviver a qualquer custo

A verdade é um mero detalhe
Por Jotha Santos
A Folha de S.Paulo já vem sofrendo há alguns anos com a queda em sua tiragem e isso não é novidade. Outros grandes periódicos passam pela mesma situação. Muitos estão se reinventado na era da comunicação digital, onde o jornalismo independente e de boa qualidade ganha espaço.

O problema é que em seus esforços de sobrevivência, a Folha agarra-se desesperadamente ao factoide e aponta sua metralhadora de suposições e mentiras para o candidato Jair Bolsonaro e seus apoiadores. A aflição do diário é patente. O líder nas pesquisas para a sucessão presidencial já declarou inúmeras vezes que os recursos públicos para órgãos de impressa (entre outros) serão devidamente reavaliados. A fonte para aqueles que praticam o mau jornalismo, parcial e de interesses ilícitos deve secar.

Temos observado o fim agonizante do Grupo Abril. Já há algum tempo abandonou sua ideologia de “órgão soberano” e adotou uma postura subserviente aos interesses do Governo para ganhar sobrevida. A Folha caminha no mesmo sentido. Praticando este tipo de jornalismo sujo e desonesto, estará em breve à beira do precipício, de mãos dadas com a Abril e outros “grandes”.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Índia e WhatsApp: O problema é outro!


Preocupado, WhatsApp alerta população indiana pelos jornais
Por Jotha Santos
Quando Pablo Ortellado, colunista da Folha de S.Paulo e professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP, exigiu que o WhatsApp implementasse medidas para “evitar a disseminação de fake news” no segundo turno das eleições no Brasil, ele traçou um paralelo com uma situação semelhante de propagação de notícias falsas pelo aplicativo na Índia. Não me pareceu uma analogia justa.
Vamos aos fatos:

1) A comparação com o que a aconteceu na Índia é, no mínimo, inadequada. Lá, ao menos 20 pessoas foram mortas em função de notícias falsas sobre supostos sequestradores de crianças, ladrões e predadores sexuais. Os rumores levaram à brutais ataques de inocentes pelas ruas daquele país.

2) Possíveis crimes dessa natureza, envolvendo crianças, prontamente despertam o instinto de proteção de qualquer pessoa de bem e, antes da verificação da verdade ou não do que foi relatado, a primeira reação é “atacar” para defender os seus, nem sempre de forma civilizada e racional.

3) A Polícia indiana relatou dificuldades em convencer as pessoas de que as notícias eram falsas. A situação saiu de controle. O pânico foi maior também porque TVs locais contribuíram com informações igualmente ilegítimas. Aqui, uma semelhança com o Brasil. Os ataques foram relatados em pelo menos 11 estados e deixaram, além dos mortos, dezenas de feridos.

4) Após inúmeros relatos de violência e linchamentos pelo país, o governo (veja bem, O Governo) alertou a empresa Whatsapp de que ela não deveria "se esquivar" ou omitir-se em relação aos acontecimentos. Era imperativa uma conduta que pudesse colaborar com a solução do problema. 

5) A Índia é o maior mercado do Whatsapp, com mais de 200 milhões de usuários. Praticamente o mesmo número de habitantes do Brasil. A empresa mostrou preocupação urgente e tomou as medidas citadas, como o limite de reenvios (cinco), critério que será estendido para o mundo, mas em maior quantidade (vinte). Investiu ainda em publicidade de página inteira nos principais jornais do país para alertar o público sobre a disseminação de “fake news”. 

6) Aqui no Brasil, temos um embate eleitoral. Uma mudança política. Não há notícias de que 5 mil sequestradores e assassinos atravessaram as fronteiras e estão nas ruas atrás dos nossos filhos (a divulgada pelas TVs locais). O frenesi aqui está relacionado à "paixão política" e defesa de valores, ideologias e conceitos, verdadeiros ou não. 

7) Aqui, tivemos brigas de bar, jovens praticando automutilação, pichadores do "elenão", suásticas mal-ajambradas e memes. A violência é triste e desprezível, mas não há comparação com o que aconteceu na Índia. O problema tupiniquim é outro. É o desespero da esquerda diante de sua iminente derrota. 

8) Não vejo o Whatsapp compactuando com o cerceamento de informações e comunicações interpessoais (a essência do aplicativo), simplesmente porque um partido ou grupos de esquerda, repletos de interesses duvidosos, usuários habituais e maiores disseminadores históricos das chamadas "fake news", desejam que isso aconteça. Não vai rolar! 

9) Faltam provas, evidências. Neste caso, há apenas uma matéria vaga e obscura, repleta de suposições da Folha de S.Paulo e a opinião de um colunista do mesmo jornal. Isso não basta para que uma empresa internacional, e que custou 16 bilhões de dólares aos bolsos do criador do Facebook, adote qualquer tipo de censura ou “medida de proteção”. Proteger a quem? O PT? Até onde sabemos, os tentáculos de Lula e seu partido ainda não chegaram ao Vale do Silício. Alerta de página inteira para a população brasileira? Talvez na própria Folha, pago por ela mesma. 

10) Solicitar restrições no aplicativo apenas porque o Partido dos Trabalhadores se sentiu "atacado em sua honra" (se é que ela existe) em mensagens enviadas por titias, vovós e cunhados malas não é algo que possa ser levado à sério. Isso não deixará os executivos do Whatspp "horrorizados". Na Índia, o assunto é muito diferente e muito mais grave. Lá, o país não está em campanha eleitoral, mas em campanha pela vida e pela eliminação de informações que a ela ameacem. 

11) Obs. Não há porque entrar no mérito da questão sobre "empresas bancando campanha contra o PT no Whatsapp" em favor do candidato Jair Bolsonaro, uma vez que não existem provas quanto a isso. O que existe, sim, são milhões de pessoas divulgando mensagens, noticias, opiniões, críticas e ideias, assim como uma verdadeira democracia deve ser. 

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