Quem nunca falou com as paredes? Com o controle remoto, a escova de dentes e a cafeteira elétrica? Quem nunca teve aquele dedo de prosa com suas sandálias Havaianas, alertando-as sobre a responsabilidade de manter as solas para baixo a fim de evitar o trânsito prematuro de sua progenitora até as regiões celestiais? Ao escrever, você faz praticamente a mesma coisa, mas certo de que paredes, sandálias, ventiladores e xícaras de café podem não apenas ouvir, mas também apreciar uma boa leitura.
Claro que escrever para um grande público e não apenas para o limbo e objetos inanimados deve ser bom. Saber que aquelas linhas irão alcançar uma infinidade de pessoas de todos os tipos e das mais variadas ideologias, convicções e princípios é, seguramente, uma experiência singular. Mexer com a sinapse alheia usando apenas palavras é um combustível incomparável para a inspiração literária. Ao menos é o que imagino, já que tamanha virtude não faz parte da vida daqueles que compõem verbetes para máquinas de lavar roupas.
Mas escrever mesmo sabendo que ninguém da a menor importância também tem lá o seu valor. Na verdade, é o pilar que sustenta boa parte do conceito de EVI. Por experiência própria, sei que não é fácil superar frustrações, fracassos e falsas expectativas por anos a fio. A verdade é que é bem difícil, já que a EVI não possui nenhuma das benesses daqueles que escrevem para um sem-número de pessoas. Na Escrita no Vácuo com Insanidade não há feedback, indagações, objeções, reflexões, desmentidos e tapinhas nas costas. Há apenas o absoluto nada; o vácuo. Sozinho, você se torna eternamente responsável por aquilo que escreve, mas não cativa.
Desde que a escrita nasceu, lá nos tempos das páginas de pedra e cerveja quente, o homem sempre manifestou o desejo de propagar suas ideias. Todo sumeriano erudito e bem letrado esperava por uma olhadela em sua rocha talhada, repleta de notícias sobre avistamentos extraterrestres, crônicas da vida cotidiana, análises astronômicas e informações de última hora. Tenho certeza de que quando isso não acontecia, o desapontamento era grande, afinal, naquela época a EVI ainda não havia sido inventada. Pobres sumérios!
Da idade da pedra para as redes sociais, a coisa fica ainda
mais constrangedora desafiadora. Dedicar algumas horas do seu precioso
tempo para cunhar algumas linhas de sabedoria, compartilhá-las com entusiasmo
entre milhares (talvez milhões) de seres humanos e não obter uma única visualização é
algo que apenas os mais versados em EVI conseguem absorver sem mergulhar em profunda melancolia. Saber que o seu estimado ajuntamento de frases e orações tem para
os outros o mesmo valor que uma nota de três reais é desanimador, eu sei. Mas a epopeia do poeta ignorado precisa ser
observada pelo ângulo positivo: O vazio de escrever para o indeterminado jamais
poderá impedi-lo de continuar. Bom ou ruim, certo ou errado (melhor optar pelo certo),
intrigante ou enfadonho, útil ou desnecessário, e por mais invisível que o seu
texto possa parecer, em seu universo de palavras, você é a fonte, o redator, o editor, o leitor e a crítica. Não há deserto literário que não possa ser domado quando você está
no controle de boas idéias, um lápis bem afiado e um punhado de páginas em branco. Quem se importa se alguém vai ler ou não?
Na EVI, o mais significativo e meritório mesmo é gravar em palavras aquilo que se deseja sem esperar a apreciação de outrem. Sem aguardar qualquer tipo de reação, contestação, louvor ou elogio de um semelhante (Havaianas não são semelhantes - eu estou falando das sandálias, claro), seja cunhando uma tábua de argila com ensinamentos de outras galáxias sobre viagens no tempo ou redigindo um modesto blog sobre assuntos aleatórios e sem importância. O princípio da Escrita no Vácuo com Insanidade não aspira contemplação ou recompensa. Com uma pequena dose de loucura e teimosia, apenas confere ao escritor anônimo a capacidade de reunir, registrar e transmitir palavras, mesmo sem ver ou ter a quem.